EPC

Eduardo Prado Coelho era uma das minhas leituras diárias e vai fazer-me falta.
Há poucos, muito poucos, intelectuais portugueses capazes de pensar e escrever sobre o mundo com o olhar penetrante, desconstrutivista e pluridisciplinar como EPC fazia. Nele, a política nunca era só política, a economia era também poesia, e mesmo os pequenos e insignificantes factos do dia-a-dia eram passíveis de passar pelo crivo claramente barthesiano com que tentava compreender a realidade. E nele nada era simplificador, antes pelo contrário. Cada crónica de EPC era, geralmente, um ponto de partida para pensar, sempre numa perpectiva mais divergente, de abertura, do que numa tão corrente tentativa totalitária de impor um ponto de vista. Crónicas que apelavam à inteligência, é verdade, mas que sempre cuidavam da estética, dos afectos, da vida, em suma.
Repito, poucas pessoas escrevem hoje nos jornais com essa abertura de espírito. Sempre sem receio de errar. Digamos que os seus textos tinham essa transparência de deixarem evidente perante o leitor o esqueleto de que eram feitos - EPC mostrava-nos as dúvidas, as hesitações, a alegria perante a descoberta, a desilusão que a vida teima em ser.
Por estes dias falar-se-á das muitas polémicas em que se envolveu (esse gosto pela polémica intelectual, não armadilhada, cada vez mais rara entre nós...), do famoso texto sobre lingerie, das derivas políticas, ora passando do esquerdismo para o cavaquismo, ora colando-se ao socialismo. Na política, irritou muito gente, escreveu injustiças desmesuradas, foi - e isso é sempre o pior - bajulador. Reduzi-lo à política é, porém, mais que redutor, é pateta. Esse é um mundo da pequena trica, que os seus textos deixam quase sempre lá em baixo.
Pessoalmente, "convivi" com ele durante umas semanas, quando participou, com o cardeal D. José Policarpo, no Diário de Notícias, nos Diálogos sobre a Fé, posteriormente editados em livro. Cabia-me a parte operacional de tratar dos textos, fazer títulos, escolher destaques. Tinha que ler aquelas, por vezes, densas páginas e tentar extrair dali ideias «vendáveis». E era um gozo ler os textos de EPC, sempre provocatórios, sempre tentando incutir alguma dúvida nas certezas do oponente.
Mas de EPC guardo especialmente a experiência do leitor comum, desafiado diariamente a pensar a realidade por ângulos tantas vezes imprevistos. É nisso que me vai fazer muita falta.

[Act: O Público disponibilizou online algumas dezenas de crónicas de EPC. Uma excelente ideia.]





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