A memória e o mar

La Mémoire et La Mer, mais que uma das minhas canções preferidas, é uma verdadeira obsessão. O poema, longo, tem dos mais belos versos que conheço. A música é de uma intensidade contida rara, comovente. A interpretação de Leo Ferré torna tudo ainda mais envolvente, à beira de um doce abismo. Mas o que me atrai sobremaneira é a falta de sentido de tudo isto. Ouço e reouço - aqueles versos fazem sentido, mas que sentido fazem no todo, que sentido faz o todo? De que fala Ferré? Há nesta escrita uma tal pulsão pelo belo que a razão se torna um pretexto secundário. Há coisas que simplesmente não percebo:

Les coquillages figurant
Sous les sunlights cassés liquides
Jouent de la castagnette tans
Qu'on dirait l'Espagne livide


Ces mains qui me font du fla-fla
Ces mains ruminantes qui meuglent
Cette rumeur me suit longtemps
Comme un mendiant sous l'anathème
Comme l'ombre qui perd son temps
À dessiner mon théorème


Adoro ouvir isto, mas francamente não sei o que quer dizer. Num mundo incessantemente em busca de sentido, faz bem prender-mo-nos assim a objectos de pura fruição. Agrada-me perder-me nesta canção. Mergulhar e não perceber onde está a saída. Seria (ainda mais) triste um mundo em que tudo fosse decifrável.





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