A letra A

Sempre tive um enorme pudor em relação à palavra amizade. A amizade implica uma série de compromissos, como sejam a franqueza, a reciprocidade, a constância. A amizade, tal como a concebo, não comporta a sedução. Essa dramaturgia está reservada ao amor. Na amizade, na amizade verdadeira, estamos mais nus que no amor.







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Esta merda não passa de uma gigantesca conversa de café

Eu não percebo nada destas merdas, só leio jornais estrangeiros. Mas permitam-me a observação: há demasiada gente a queixar-se do estado do país e muito pouca gente a analisá-lo. Sente-se muito no fundo do coração (inclusive pessoas com "três empregos" e a levantar-se "às três horas da manhã"... eu não consigo vir de Lisboa para casa bêbado às duas e meia, mas há quem vá trabalhar às três... tudo bem), mas não se explica quase nada. Se mal pergunte: e o estado do comentarismo em Portugal, recomenda-se? Serão os analistas e os fazedores de opinião melhores que o país e os seus políticos? Dá ideia que os comentadores pensam que sim. Esta merda não passa de uma gigantesca conversa de café. Eu não acho mal (até porque sou uma pessoa espectacular). Só acho mal quando se queixam.

A casa

está hoje mais vazia. Mas não está mais vazia do que costuma estar.

Este livro não é para filmes

A propósito da oscarização de Este País Não É Para Velhos, há quem peça o celulóide (eh eh, acho que isto já nem existe) de A Estrada. Discordo. A Estrada poderá parecer a alguns um excelente argumento para filme. A mim, porém, já me parece mesmo um filme, do melhor que a literatura já produziu. Além disso, acho que já conheço tão bem aquele pai e aquele filho que não me apetece nada ser confrontado com um pai e um filho imaginados por outros. Isto, é claro, além de achar que o livro nem sequer é sobre um pai e um filho.

dark red

Este blogue voltou ao dark red dos idos de 2003, quando o blogue ainda era outro e éramos todos bem mais felizes. Reparo agora que nunca fui feliz com o azul. Sim, deve ter sido isso, deve ter sido da cor. Regresso, então, ao lugar em que fui feliz.

Canção triste

O que fazem três quase ex-adolescentes abandonadas num cenário tão belo? Obviamente, cantam canções tristes.



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french coupling

A imprensa francesa dá nota de uma súbita quebra de popularidade de monsieur Sarkozy. Nada que não tenha uma solução.






Ooops...

http://clix.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/251857

Faz hoje um ano que

não sei o quê. Todos os dias faz um ano que não sei o quê.




Coisas sem sentido

Na caixa de comentários de um desses blogues em que os homens falam de política e as mulheres de gatos, uns anónimos, finjamos que sim, dedicavam-se um dia destes a envolver-me numa charada em curso. Só posso agradecer-lhes a bondade de se terem lembrado de mim para esse gesto de enviesado e involuntário humor.

Um sentido para as coisas

Americanos como um relógio suiço, todos os dias uns senhores oriundos de state.gov espreitam à janela deste blogue. Provavelmente serão os únicos a perceber que os textos aqui publicados são, afinal, mensagens cifradas de apelo a sublevações diversas. Eu próprio não lhes encontro outro sentido.





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hum...


Posologia

Talvez que o remédio esteja em trocar tudo.
Os azuis pelos brancos. A manhã pela noite.



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The wind knocks my window, the room it is wet.
The words to say I'm sorry, I haven't found yet.
I think of her often and hope whoever she's met
Will be fully aware of how precious she is.


Bob Dylan, 1964

Emigrante

Nunca quis ser emigrante. Adivinhava o corte com o passado, sufocava-me a ideia da distância. A distância. Não precisei de sair daqui para emigrar. Afinal.

Couve-flor

Manchete de um dos jornais gratuitos que se distribuiram em Lisboa esta semana: «Porque nos apaixonamos pelas pessoas erradas?» Lá dentro, a entrevista com uma psicóloga, treslida em diagonal, refere vagamente uma «teoria da couve-flor».
Acho extraordinário as coisas que as pessoas inventam. Nunca ninguém se apaixona pela pessoa errada.

Medicina

Hoje recebi, na minha caixa de correio e endereçada em meu nome, uma carta que anunciava em letras garrafais: «Recupere a alegria de viver», com ponto de exclamação e tudo.
Há qualquer coisa nisto que me angustia, não sei se o acerto se o erro no diagnóstico. Só sei que quem me enviou a carta tem andado a ouvir este blogue - dentro do envelope, havia um vale para levantar «uma amostra funcional de um aparelho auditivo grátis».

lullaby for a lost love

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Dilúvio

Como se tivessem cedido os diques de sal que displicentemente construiu para guardar o líquido aconchego destinado às tardes da vida.

To the end of love


Dos livros

Há um ano, comecei a ler dois livros, mais ou menos ao mesmo tempo. Não foram livros que tenha comprado, foram-me oferecidos, embora algumas vozes teimem em sussurrar-me que, sim, fui eu que os encomendei.
Num dos livros, os capítulos sucederam-se com a segurança das estações. Um atrás do outro, uns mais fáceis, outros mais invernosos. Há capítulos que preferia não ter lido, mas a verdade é que cheguei ao fim e o livro foi atirado para a estante. Deixou marcas, como todos os livros. Aprendi, como em todos os livros. Mas, vantagens da memória, que se serve para lembrar também ajuda a esquecer, há coisas do livro de que já nem me lembro. E, bem pesadas as coisas, é livro que muito provavelmente nunca mais voltarei a ler. Nem esse, nem também muito provavelmente outros livros da mesma colecção.
No outro livro que me ofereceram há um ano, não consigo mudar de capítulo. Na verdade, não sei sequer em que capítulo estou. Se quero continuar a ler o livro. Nunca hei-de perceber porque somos obrigados a ler os livros que nos oferecem.

Disclaimer

Este não é um blogue sobre ou de música. Antes pelo contrário.

Da vida dos insectos

efémero - a minha primeira palavra favorita. descobri-a num livro de biologia do oitavo ano numa nota de rodapé que descrevia a vida de certos insectos. anos mais tarde descobri que também descreve os sentimentos de certas pessoas.

Tivesse

uma daquelas maquinetas de pedir três desejos e o segundo seria transformar Margo Timmins em cantora residente.



J'ai essayé l'amitié et c'est encore plus difficile que l'amour.
Gainsbourg, Serge



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Well, my telephone rang it would not stop,
It's President Kennedy callin' me up.
He said, "My friend, Bob, what do we need to make the country grow?"
I said, "My friend, John, Brigitte Bardot,
Anita Ekberg,
Sophia Loren."
Bob Dylan, 1963




Lições de vida (reprise)

É nas alturas da vida em que mais aprendemos que mais apreciamos a ignorância.



We only said goodbye with words
I died a hundred times
You go back to her
And I go back to
I go back to black



Prison break (IV)

Onda é uma palavra linda. Pela sonoridade. Por quase tudo o que evoca. Pode pronunciar-se como uma ooonnnda. Só não serve quando a onda rebenta. Onda que rebenta não tem aquela suavidade. Já não é onda, é outra coisa. Em inglês, onda é wave, o que é ainda melhor.

E pronto. A minha série de palavras preferidas termina aqui. Não é que não haja mais palavras. Apenas porque acaba. Como tudo na vida, parece. E também não passo para mais ninguém. Porque acham que isto se chama Prison break?

Berlim, 16.02.08



Prison break (III)

infinitamente - uma das últimas colectâneas de sucessos de Jacques Brel chama-se Infiniment (2003). Brel gostava particularmente de advérbios de modo. Prolongam o tempo. Infinitamente é o meu preferido. É como se o infinito fosse ainda mais infinito. Infinito mesmo. É claro que só deveríamos usar a palavra infinitamente duas ou três vezes em cada vida. Mas isso é toda outra história.

E passo esta cadeia de palavras lindas à Margarida. Que as sabe usar como poucos.

Prison break (II)

flanar - uma das mais fantásticas palavras da língua portuguesa. poderia significar "planar em flanela". mas não. não se usa muito, não por causa da palavra, mas pela coisa em si. hoje, já ninguém flana como se flanava noutros tempos.

e quem mando eu flanar agora? perdão, a quem passo agora a lista das 12 palavras de que mais gosta? talvez à inês. que está a precisar de flanar um bocadinho. parece-me.





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Sebastien Tellier, Divine (2008)

Prison break (I) *

Eu era lá rapaz capaz de assentar de uma assentada as doze palavras... Quanto mais de as encadear numa cadeia de dez...
Só a Charlotte para tentar acordar um morto a choques eléctricos!
Por isso, minha amiga, a coisa vai às fatias, ainda para mais aleatórias. Quem quiser que as conte. Ou que as acrescente. Ao conto.

serenidade - é uma coisa que se ganha com a idade, ça va de soi. preciosa (também gosto desta, mas só com pronúncia castelhana). e ainda por cima rima com outras duas bué de catitas: felicidade e saudade. dois lugares-comuns, não tão comuns quanto isso. sabem bem, dependendo do sentido em que se viaja.

A Sara adora listas e podia fazer-nos a fineza de dizer de sua graça. Pode até responder por imagens (a pequena Canon sempre se chama Bonnie à la Gainsbourg?).

(*) de partir a cadeia, em português liberal.

e a banda sonora



rita redshoes





Por outro lado, eu não tenho muitos pensamentos. Já tive mais, nunca tive muitos, mas admito: já tive mais. E os que tenho (mesmo os poucos que tinha) já os disse todos.
Ou quase todos.






ndo

Só anos mais tarde percebemos o verdadeiro peso do gerúndio que aprendemos na escola.







Se temos de perder uma pessoa que nos é muito cara, quem não preferiria que ela morresse, em vez de ir simplesmente recomeçar a viver noutro sítio? Pode tolerar-se que aquela que era toda a nossa vida cesse de ser tal e comece a sê-lo para outrem ou para si própria?

Cesare Pavese, 20 de Fevereiro de 1938